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Em um leito a guerreira que ajudou a construir a história das Assembleias de Deus do ministério Adão Araújo.

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Contando 24 horas por dia com o carinho da filha Leia.

São quase 15h do dia 26 de março de 2014.  Me aproximo da residência de nº 4, da curta Rua Demerval Klein, no bairro Bromélias, um dos primeiros construídos  em Timóteo. Não caminho em passos largos. Vejo, antes de chamar algum morador dali, o pé de manga ainda robusto, de muitos anos, e que pode ser uma referência daquele lugar, onde existem outras plantações, igualmente características daquele endereço.

Chego, chamo por Leia. Leia atende sorrindo e, gentilmente, me da  liberdade de entrar. Pisando o passeio sinuoso que separa a porta principal do portão de entrada, olho para os lados daquele quintal bucólico e constato que pouca coisa mudou com o passar dos anos naquele cenário que recepciona os convidados e gente igual a mim que ali foi sem ser convidado. Leia sorri, de novo. Parece que sabia o que eu estava querendo com aquela visita-surpresa. O cabelo enrolado, do tipo toca, dava a  impressão de que estava se preparando para sair. Mas não estava. Leia não pode sair assim. Ela precisa ficar mais em casa.

Entro. Mas quem eu estou procurando naquela hospitaleira casa simples? Bom, ali eu fui com a intensão de visitar uma pioneira do ministério Adão Araújo, ou melhor, pioneira das Assembleias de Deus no Vale do Aço. Fui ali para ver Maria Perpétua, a sogra do Ev. Mauro Gonçalves, a quem chamei de Maria Alves, devido o sobrenome da família. Mas Maria Perpétua ficou melhor, para quem irá perpetuar-se na história de um povo.

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Ariane, também, cuida de Maria Perpétua.

Entro e Maria Perpétua, num vestido cor rosa, não me atende. Não me olha. Maria Perpétua dormia como um anjo.  Estava cansada? Não, ela não estava cansada. Aquele é o estado que tem predominado na sua vida nos últimos três anos. Maria Perpétua luta contra o mal de Alzheimer, há cerca de dez anos, os três últimos deles imobilizada, em consequência de uma queda sofrida em um dos cômodos da casa, quando fraturou o fêmur.

Olho aquela santa dormindo e minha lembrança viaja no tempo, no tempo daquela mulher robusta, sorrindo e direcionando a família nos caminhos do Senhor.

Maria Perpétua estava ali em um sofá relativamente confortado e em posição adaptada para sua situação. Ali estava uma mulher guerreira, de história, mesmo que não tenha tido esta situação reconhecida por quem lhe deve justiça pela colaboração com uma história.

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Seguindo a rotina de ser colocada naquele lugar e retirada e conduzida ao seu quarto todos os dias, ora pela filha Leia, ora pela colaboradora Ariane, Maria Perpétua tem um perfil de luta em prol do evangelho. Mas é luta mesmo! Tem um passado de amor às almas perdidas e de carinho com os necessitados. Aos 92 anos de idade, completados no último dia 25 de fevereiro, a anciã guarda a condição de um dos esteios da Assembleia de Deus de Timóteo.

Viúva ha 29 anos de Joaquim Raimundo Alves, um auxiliar que prestava serviço à igreja em Alvorada – na função à época chamada de porteiro – a mulher que dormia como um anjo enquanto eu conversava com sua filha e a colaboradora da família, era uma das visitantes, quando visitas não se fazia apenas na semana que antecede às Santas Ceias, com a quase invariada pergunta: ai ta tudo bem? Ao lado de Jovita e Elza – ambas falecidas – Maria Perpétua ganhou almas para o Reino de Deus e evitou que tantas outras desertassem. Não agiu para motivar deserções como muitos o fazem hoje.  O silêncio que predomina nas suas horas já foi sons de conselhos emitidos em tantas oportunidades na sua caminhada. Ela aconselhava e não levava para o Fórum. Seu Juiz era o joelho.

A nossa anfitriã tem 10 filhos vivos, 29 netos, 32 bisnetos e três tataranetos, de acordo com cálculo da Leia. Sua filha mais velha, que reside em Ipatinga, é a Maria Raimunda, de 73 anos. Perguntei à filha generosa com minhas interrogações sobre as reações da mãe. “Ela sorri e fala baixinho”, respondeu. Eu quis saber se a mãe canta. A resposta foi um sonoro sim, acompanhado da revelação de alguns dos hinos preferidos: o  15, da Harpa Cristã, para citar um.

Leia continua a conversa detalhada sobre a mãe. Emociona e, às vezes, se revolta, por achar que sua genitora deveria ser mais assistida. A congregação do bairro Alvorada, atualmente sob a direção do Pr. Carmo Matias, não descuida. De quinze em quinze dias realiza um culto familiar naquela residência e ministra à paciente as Santas Ceias. É bom revelar que Maria Perpétua, mesmo na situação em que se encontra, onde cada centavo é importante para os cuidados exigidos pela sua enfermidade, ainda é dizimista, como sempre o foi nos tempos de saúde perfeita.

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Um dos filhos de Maria Perpétua, que mora no mesmo endereço, também requer cuidados especiais. Há 4 anos ele soferu um AVC

Mas a Assembleia de Deus, denominação à qual Maria Perpétua pertence há mais de 60 anos, não é a única que assiste à guerreira. Leia contou que os fiéis da Igreja Cristã Maranata, onde ela congrega, visitam regularmente a mãe. “Agradeço muito, primeiramente a Deus, e à esta obra maravilhosa, a Igreja Cristã Maranata, que, no meio da minha angústia e ansiedade, tem me ajudado. O senhor tem falado conosco. Meu obrigado ao incansável casal irmão Túlio e irmã Rita e outros pastores e diáconos da Maranata”, disse Leia.

As horas de Maria Perpétua têm sido de um calvário doce. Calvário porque não se locomove sozinha, prostrada em uma rotina dolorosa para quem tinha a energia que lhe marcava como integrante do coral da igreja em Alvorada e do círculo de oração. Doce porque, mesmo vivendo este quadro, é dona de um semblante de comunhão com Deus. Parece que está ali apenas descansando de suas tarefas.

O carinho e empenho da filha Leia, em cujo lado dorme, tem sido uma ferramenta de alento para a guerreira Perpétua. Leia disse que não são poucas as vezes em que a certas horas da noite  acorda e ouve a mãe chorar. Sua reação não é outra senão chorar também.

O que me impressiona é ver aquela pioneira se esvaindo no tempo com um mal que degenera, mas se portando como alguém de uma viva esperança de que Deus irá dar-lhe a morada celeste. Maria Perpétua não apresenta mais aquela robustez de alguns anos atrás, mas mantém-se digna como se nada lhe tivesse ocorrido de mal. Sua folha de serviços prestados à obra de Deus irá eternizar seus feitos em uma época em que se cobra para fazer tudo na igreja, até para cuidar de organização. Numa era em que se busca o holofote nos púlpitos e bastidores, o passado de mulheres como de Maria Perpétua joga luz na certeza de que nem sempre foi assim. As visitas que fazia eram ação de uma fiel preocupada com a obra de Deus. Maria Perpétua nunca se auto-intitulou “missionária”, embora fosse uma autêntica. Ela nunca colaborou para a banalização de um título inerente à tarefa salutar como é a de uma mulher que faz missão. Hoje este termo tem servido, em muitos casos, para bajulação e reposição de membros de tropa de choque.  Ela não brigou por direção de círculos de oração como forma de ganhar status e “poder”. Foi uma voluntária do Reino de Deus e sabia que de graça tinha que dar o que de graça recebia.

Hoje, embora acamada, esta crente fiel é um arquivo da história das Assembleias de Deus, desde a época do falecido Pr. José Alves Pimentel. Quem olha naquele leito o rosto que da saliência aos ossos de seu contorno anatômico, pode não lembrar-se de quem foi Maria Perpétua. Mas quem conversa com os baluartes da Assembleia de Deus do ministério Adão Araújo, é forçado a reconhecer o quanto esta mulher colaborou para esta instituição ser o que é hoje. Não precisa de medalhas para isto tornar-se verdade. É preciso apenas justiça e senso de gratidão para enxergar na estante do tempo as marcas das mãos desta dedicada serva de Deus.

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Se ela pudesse nos falar, diria de um tempo de dedicação às almas. De um tempo sem patrulhamento teológico e eclesiástico, sem tentativas de resgate de prestígios definitivamente perdidos. Sem comércio da fé, sem os escandalosos e diabólicos valores que se cobram dentro da própria cidade para “ajudar” na obra de Deus. De um tempo em que não se fazia da igreja oficina para projetos pessoais e empresariais com promessas de partilhas. Maria nos diria de um tempo em que se amava de verdade a obra de Deus. De um tempo em que cantar e pregar eram ferramentas para abençoar e não se projetar. E neste tempo sua atuação era esplêndida. Era uma peça fundamental para o sucesso de muitas empreitadas missionárias.

Talvez a sensação de que algo tivesse que ser feito mais por sua mãe como prova de reconhecimento pelo que representa na caminhada do povo de Deus de uma cidade, levou Leia a exaltar-se em alguns momentos de sua conversa comigo e a cobrar mais visitas para a mãe. Aliás, visita era uma das especialidades desta irmã que jaz no silêncio de um mal que faz esquecidos atos e motivações para os tais.

Mas seja real, justo ou não o sentimento da filha, Maria Perpétua está amparada pelo Deus a quem serve por décadas e a quem tem sido fiel. Quando canta “foi na cruz, foi na cruz onde um dia eu vi, meus pecados castigados em Jesus”, Perpétua não o faz como um papagaio. Ela expressa a gratidão de sua salvação. Gratidão que não diminuiu com o aumento da gravidade de sua enfermidade.

Naquele leito da Rua Demerval Klein, está uma estrela que brilha em uma noite muito escura, mas onde o sol da justiça resplandece e aquece as horas que o Criador concede à sua filha, mesmo que não sejam com o paladar que para muitos seria o ideal como definição de felicidade. Mas para ela, que tem intimidade com este Criador, é a prova contundente de que os que confiam no Senhor são como montes de Sião, que não se abalam, mas permanecem para sempre.

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