Uma mãe procurou o Blog do Silas para reclamar de uma gincana que vem acontecendo em uma escola da cidade.
Para a mãe o evento tem servido como uma barganha da escola com os alunos que, muitas vezes, acabam fazendo o papel do Estado, o de prover recursos para a área da educação. No caso da escola em questão, o regulamento, cujo exemplar nos foi passado, diz que uma das finalidades da gincana, além de custear confraternização dos funcionários e formatura dos alunos, é “arrecadar recursos para Caixa Escolar e investir na compra de material esportivos, equipamentos para os laboratórios de biologia/química/física”. A mãe discorda frontalmente desta iniciativa e entende que isto soa como uma exploração dos alunos. “Para ajudar em casa, eles são menores e não podem trabalhar, mas, para arrecadar para a escola, podem ficar o dia inteiro se esforçando, muitas vezes enfrentando sol, para atender as tarefas, dentre elas catar latinhas”, pontuou a mãe indignada. A mulher disse que sua condição financeira não é confortável para estar bancando o cumprimento de algumas tarefas da filha, para evitar que ela se sinta constrangida na escola.
Outra questão colocada pela mãe para discordar da gincana é o fato de os alunos terem que levar material de limpeza para a escola, como uma das tarefas. “Não estou dando conta de comprar nem para minha casa e sou obrigada a comprar para minha filha levar para a escola”, disse. Consultando o regulamento elaborado pelo estabelecimento, descobrimos que a tarefa que se refere aos materiais de limpeza estabelece que as equipes devem levar para a escola oito litros de cloro, cinco litros de detergente de 500gr, trinta rolos de papel higiênico de 60m, cinco embalagens de dois litros de desinfetante, cinco panos de chão, um rodo grande, uma vassoura de piaçava, cinco sabonetes, um pacote de sabão em barra, com cinco unidades, dois kg de sabão em pó, dez esponjas multiuso e três litros de álcool gel. Para a mãe isto beira o absurdo pois não é tarefa dos alunos proverem a escola e, sim, o governo.
Sobre as latinhas, outro item da gincana, a mãe considera que é uma exploração como as outras. Ela contou que a filha, muitas vezes, enfrenta sol e fica muito tempo fora de casa para cumprir, com sua equipe, esta tarefa. “Os alunos se esforçam e, às vezes, passam até por constrangimento”, declarou. Ela contou que o mínimo que as equipes podem levar é trinta quilos de alumínio e que as latinhas têm que ser amassadas. A mulher vê esta exigência como um agravante da “exploração”.
Além dos materiais, outra discórdia da mãe é quanto ao que a escola chama de “Cofrinho Surpresa”. O regulamento da gincana estipula que o “Cofrinho Surpresa” deve conter, “no mínimo”, R$200 reais, que “serão doados para a Caixa Escolar”. Várias equipes, para se superarem neste quesito, organizam blitzs em semáforos da cidade, onde pedem ajuda em dinheiro às pessoas abordadas.
A mulher, estendendo suas criticas, afirmou que algumas das tarefas são onerosas, como, por exemplo, a parte que se refere à divulgação, onde os alunos têm que confeccionar faixas, que não são de graça. Descobrimos, no regulamento da gincana, que cada equipe deve confeccionar faixas de seis metros, com a logomarca da escola e a cor da equipe.
A mãe argumentou, ainda, que a pontuação recebida pelos alunos no final da etapa muitas vezes colabora para que eles “passem de ano”, sem o devido preparo nas disciplinas. “Às vezes o aluno é promovido de ano devido à pontuação mas não tem o devido conhecimento nas matérias. Foi ajudado pela pontuação”, raciocinou a mulher.
Na conversa com o Blog do Silas, a mãe expôs seu desejo de que haja uma interferência das autoridades da área de ensino na cidade para que este tipo de inciativa não continue a acontecer. “A escola é lugar dos alunos aprenderem e não de serem explorados, fazendo aquilo que é para o governo, o de dotarem as escolas dos recursos necessários para continuarem funcionando”, disse acrescentando que sua reclamação é compartilhada por muitas outras mães que, por um motivo ou outro “não têm coragem de denunciar”. Em contato com a filha, a adolescente confirmou e admitiu, ao Blog do Silas, ser constrangida diante da possibilidade do não cumprimento de alguma tarefa, dentre elas aquelas que provocam gastos como a dos materiais de limpeza.
Na tarde desta terça-feira procuramos a direção da escola. Fomos recebidos pelo vice-diretor que alegou outros compromissos da diretora, dentro da escola, para não falar conosco. Pedimos que ele nos atendesse e fomos conduzidos até uma sala. Quando expomos o que queríamos, a diretora foi convidada para falar com nossa reportagem. Antes, o vice-diretor ameaçou não dar nenhuma declaração se estivéssemos gravando a conversa.
Perguntamos à diretora sobre a gincana e ela deu as explicações que julgou capaz de nos esclarecer. Lamentou que a mãe, “ao invés de procurar a escola tivesse procurado o Blog do Silas”. “A gincana é institucional e já existe desde quando a escola foi criada em 2006”, disse a diretora. De acordo com ela, os materiais de limpeza, uma das críticas feitas pela mãe, são doados a entidades assistenciais no município como, por exemplo, creches e asilo. A diretora citou as tarefas da gincana e revelou que a horta, mais uma das tarefas, onde cada equipe faz um tipo de plantação na escola, é destinada à merenda no estabelecimento. Ela disse que nenhuma das tarefas é cumprida individualmente, ou seja, as tarefas são distribuídas entre as equipes o que, na sua avaliação, não deixa pesar no seu cumprimento. Porém a perda de dez pontos é individual, conforme revelou a dirigente da escola que, por mais de uma vez, interrompeu suas explicações para lamentar a denúncia da mãe. Ela quis saber quem era esta mãe. A diretora declarou que a gincana foi aprovada por um colegiado. O vice-diretor, que acompanhou as explicações, afirmou que nunca havia recebido nenhum tipo de reclamação com relação à gincana, que ocorre ano sim, ano não.
Sobre as blitzs, onde os alunos arrecadam nos semáforos e outros pontos estratégicos, a diretora declarou que a prática não é aprovada pela escola mas não disse que tipo de sansão é aplicada àqueles que utilizam o recurso para levarem dinheiro para a “Caixa Escolar”.
A diretora admitiu que algumas tarefas dizem respeito a questões financeiras dos alunos envolvidos, mas minimizou a questão fazendo algumas sugestões. “Vão ao comércio, pega carta de doação…” A diretora pediu que frisássemos que a gincana é uma questão institucional. “Ela (a gincana) acontece desde que a escola foi criada, ela passa por um colegiado. Não é a direção da escola que inventou”. Para a dirigente esta seria uma das razões para a mãe não ter feito críticas à iniciativa.
Para a diretora a reclamação da mãe é uma questão de ponto de vista e não impede que a prática seja considerada salutar para “o bem dos alunos”. Para ela, não importa a forma com que as tarefas serão cumpridas.
Antes de deixarmos o local, “por instrução da inspetora”, tivemos que assinar uma ata da nossa ida à escola, onde ficou relatado o teor da nossa conversa.