A operação da Polícia Federal (PF) contra uma organização criminosa responsável por planejar assassinatos e um golpe de estado para impedir a posse do governo eleito em 2022 completou 12 horas na noite desta terça-feira (19). Ela começou por volta das 6h45 da manhã.
Segundo a PF, o grupo – formado em sua maioria por militares das Forças Especiais (FE) do Exército, os chamados “kids pretos” –, tinha como alvos o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Foram cumpridos cinco mandados de prisão preventiva, três de busca e apreensão e 15 medidas cautelares. Entre os alvos estão quatro militares do Exército e um policial federal.
Veja os destaques sobre o caso nas últimas 12 horas:
Como era chamado o grupo?
O grupo se denominava como “Punhal Verde e Amarelo“.
Quem foram os alvos da PF?
De acordo com apuração da CNN, os presos foram:
- Mario Fernandes – general de Brigada do Exército (na reserva), ex-assessor da Presidência de Jair Bolsonaro (PL) e integrante dos “kids pretos”: estava a caminho do Rio de Janeiro para visitar o filho, que está se formando oficial do Exército;
- Hélio Ferreira Lima – tenente-coronel do Exército e integrante dos “kids pretos”: serve em Manaus, mas estava chegando ao Rio de Janeiro para realizar um curso das Forças Especiais;
- Rafael Martins de Oliveira – tenente-coronel do Exército e integrante dos “kids pretos”: estava em sua casa, em Niterói. Ele está afastado da corporação com medidas cautelares, e fazendo uso de tornozeleira eletrônica;
- Rodrigo Bezerra de Azevedo – tenente-coronel do Exército e integrante dos “kids pretos”: serve em Goiânia e estava chegando ao Rio de Janeiro para fazer um balanço da operação do Exército no G20. Ele não trabalhou na segurança do evento.
- e Wladimir Matos Soares – policial federal: não foi informado onde a prisão foi feita.
O que são os “kids pretos”?
Os “kids pretos” fazem parte de um grupo formado por militares do Comando de Operações Especiais do Exército Brasileiro, treinados para atuar em missões sigilosas e em ambientes hostis e politicamente sensíveis. O nome é uma referência ao gorro preto usado por eles.
O batalhão tem sede em Goiânia e é subordinado ao Comando Militar do Planalto (CMP) e vinculado ao Comando de Operações Terrestres (Coter).
Para fazer parte da organização, os militares precisam passar pelo Curso de Ações de Comandos. Considerada a “tropa de elite” do Exército, seu símbolo é uma caveira com uma faca atravessada.
Eles tem como missão realizar ações de captura, resgate, eliminação, interdição e ocupação de alvos.
O treinamento é feito para os agentes terem possibilidades de realizar infiltrações terrestres, aéreas e aquáticas, atuando em qualquer ambiente operacional. Sua duração máxima é de dois meses e meio, sendo voltado para oficiais e sargentos de carreira.
Os militares precisam ter ao menos o comportamento classificado como “bom” para ingressar nos Comandos.
Quando deveriam ocorrer as mortes?
Os assassinatos de Lula, Alckmin e Moraes deveriam ocorrer em 15 de dezembro de 2022, três dias após a diplomação do petista no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
À época, Moraes era presidente do TSE.
Envenenamento de Lula
De acordo com a decisão de Moraes que autorizou a operação, conforme revelado por investigação da PF, o plano do grupo era envenenar Lula.
“Considerando sua vulnerabilidade de saúde e ida frequente a hospitais, a possibilidade de utilização de envenenamento ou uso de químicos para causar um colapso orgânico”, diz.
Jeca, Joca e professora
Segundo relatório da PF, o grupo utilizava codinomes para se referir aos alvos que seriam assassinados.
Lula era chamado de “Jeca”. Alckmin, por sua vez, de “Joca”. E Moraes, de “professora”.
Um terceiro codinome, “Juca”, foi utilizado para se referir a uma “iminência parda do 01 e das lideranças do futuro governo”. Entretanto, a PF afirmou que não obteve elementos para identificar a quem o nome se referiria.
Explosão e envenenamento para matar Moraes
Foi planejado pelo grupo a utilização de artefato explosivo e de envenenamento para a morte de Moraes, aponta a PF.
“Foram consideradas diversas condições de execução do ministro Alexandre de Moraes, inclusive com o uso de artefato explosivo e por envenenamento em evento oficial público”, diz a decisão que embasou a operação.
De acordo com a PF, Moraes era monitorado continuamente. Foi realizado levantamento para identificar o aparato de segurança pessoal do ministro.
“As informações sobre segurança pessoal também apontam para uma provável estrutura de segurança do magistrado daquele momento. Mais ao final da primeira página, é mencionado um tempo de reconhecimento de pelo menos 2 semanas nas regiões de ‘DF’ e ‘SP’ sendo exatamente as unidades da federação em que o ministro frequenta ordinariamente”, continua.
Arsenal de guerra para matar Moraes
Também foi prevista a utilização de um arsenal de guerra para matar o ministro, com pistolas, fuzis, metralhadora e um lança-granada.
“A lista com o arsenal previsto revela o alto poderio bélico que estava programado para ser utilizado na ação. As pistolas e os fuzis em questão (4 pistolas 9mm ou .40 e 4 fuzis 5,56mm, 7,62mm ou .338) são comumente utilizados por policiais e militares, inclusive pela grande eficácia dos calibres elencados”, revela a decisão.
“Chama atenção, sobretudo, o armamento coletivo previsto, sendo: 1 metralhadora M249 – MAG – MINIMI (7,62mm ou 5,56mm), 1 lança-granada 40mm e 1 lança-rojão AT4. São armamentos de guerra comumente utilizados por grupos de combate“, prossegue.
Carro do Exército usado para matar Moraes
Um carro oficial do Exército, pertencente ao Batalhão de Ações de Comandos (BAC), foi utilizado no plano que pretendia matar, de acordo com a PF.
O veículo, um Fiat Palio, se deslocou entre Goiânia e Brasília em 15 de dezembro de 2022, “data em que, possivelmente, seria realizada a prisão/execução” do ministro.
Tentativa de prender Moraes
A PF revelou ainda que trocas de mensagens mostraram que a organização criminosa tinha outro objetivo: prender Moraes.
“As mensagens trocadas entre os integrantes do grupo ‘Copa 2022’ demonstram que os investigados estavam em campo, divididos em locais específicos para, possivelmente, executar ações com o objetivo de prender o ministro Alexandre de Moraes”, diz.
Eles também utilizaram codinomes para se comunicar no grupo.
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“Estacionamento em frente ao Gibão Carne de Sol. Estacionamento da troca da primeira vez”, é a mensagem que chegou no grupo em 15 de dezembro de 2022, às 20h33 e foi encaminhada por uma pessoa que utilizava o codinome “Brasil”.
“Tô na posição”, responde o contato com o codinome “Gana”. Na continuidade da conversa, “Brasil” pergunta qual é a conduta que deve ser tomada.
Um novo integrante, agora nomeado de “teixeiralafaiete230” e apontado pela PF como líder do grupo, entra no diálogo e pede para que aguarde.
Às 20h47, o tenente-coronel Rafael de Oliveira encaminha uma mensagem com o codinome “Diogo Bast”. “Estou na posição”, escreveu. Pouco depois, surge um novo integrante na conversa. “Áustria” notifica que “está chegando” e pergunta a posição de “Gana”, mas fica sem resposta.
Às 20h53, o usuário “teixeiralafaiete230” encaminha um print de uma notícia afirmando que o STF havia adiado a votação do orçamento secreto para a próxima segunda-feira. “Tô perto da posição. Vai cancelar o jogo?”, pergunta “Áustria” quatro minutos depois.
“Abortar… Áustria… volta para local de desembarque… estamos aqui ainda…” é a resposta que ele recebe de “teixeiralafaiete230”.
General preso tinha contato com golpistas de 8/1
O general Mario Fernandes além de elaborar o plano da execução de Lula, Alckmin e Moraes, Fernandes era o “ponto focal” do governo Bolsonaro com os manifestantes golpistas que invadiram a Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.
“A Polícia Federal destacou a existência de áudios que indicam a relação de Mario Fernandes com pessoas que estavam acampadas no Quartel General do Exército, entre os dias 9/12/2022 e 13/12/2022, buscando auxílio para resolução de problemas ocorridos no acampamento”, diz o documento.
De acordo com a PF, o contexto das mensagens evidenciam que Mario Fernandes era o “ponto focal do governo de Jair Bolsonaro com os manifestantes golpistas”.
“Além de receber informações, também servia como provedor material, financeiro e orientador dos manifestantes antidemocráticos instalados nas adjacências do QG-Ex em Brasília/DF, que teve papel fundamental na tentativa de golpe de Estado perpetrada no dia 08/01/2023”, prossegue.
Assessor de Pazuello
Fernandes ainda atuou por um ano no gabinete do deputado federal Eduardo Pazuello (PL-RJ), ex-ministro da Saúde de Bolsonaro.
Nomeado por Pazuello em março de 2023, Fernandes tinha “Cargo de Natureza Especial (CNE-09)” – segundo maior vencimento do tipo na Casa, com remuneração aproximada de R$ 15.600,00.
Ele foi demitido da função em março deste ano, após ele ser investigado no inquérito que apura o planejamento de um golpe de Estado para reverter o resultado das eleições de 2022.
Documento impresso no Planalto
O documento com o “planejamento operacional” para realizar o assassinato de Lula foi impresso por Fernandes, no Palácio do Planalto e levado ao Palácio da Alvorada, mostra o relatório da PF.
O Palácio da Alvorada é a residência oficial da Presidência da República. A data da impressão do documento foi em 9 de novembro de 2022, quando o então presidente Bolsonaro ainda residia no local.
Dias antes, Bolsonaro havia sido derrotado por Lula no segundo turno da eleição, em 30 de outubro.
De acordo com o documento, uma segunda impressão do plano foi feita no Planalto em 6 de dezembro de 2022. Novamente, o general da reserva foi responsável. Bolsonaro estava no local na data.
Operação foi baseada em material apreendido com general
O material que baseou a operação da PF foi apreendido com o general.
Fernandes foi quem elaborou, em tópicos, segundo a Polícia Federal, o planejamento de “operações clandestinas” e as execuções de Lula, Alckmin e Moraes.
O texto, que estava em um arquivo de Word, inicialmente denominado “Fox_2017.docx”, continha “um verdadeiro planejamento com características terroristas, no qual constam descritos todos os dados necessários para a execução de uma operação de alto risco”, segundo a decisão de Alexandre de Moraes, relator do caso.
Depois, o plano passou a ser intitulado “Punhal Verde e Amarelo”, onde havia informações sobre as mortes.
No documento de Fernandes, o primeiro tópico, denominado “Demandas de Rec Op (levantamentos)”, refere-se as diligências para identificar o aparato de segurança pessoal de Moraes, compreendendo os equipamentos de segurança, armamentos, veículos blindados, os itinerários e horários.
Os demais pontos incluem uma lista de itens para a realização da operação, como chips e armamentos que incluíam pistolas, fuzis, metralhadora e um lança-granada.
Agente preso repassava informações sobre Lula
O policial federal preso Wladimir Soares repassava informações relacionadas à estrutura da segurança de Lula para pessoas próximas do então presidente Bolsonaro.
“O investigado, aproveitando-se das atribuições inerentes o seu cargo no período entre a diplomação e posse do governo eleito, repassou informações relacionadas a estrutura de segurança do presidente Lula para pessoas próximas ao então presidente Jair Bolsonaro, aderindo de forma direta ao intento golpista”, diz o relatório da PF.
Lula ciente do plano
O ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Paulo Pimenta, disse à CNN que Lula está ciente do plano elaborado para seu assassinato.
“Naturalmente que o foco, hoje, é a questão do G20, mas o presidente está informado da investigação, das ações da Polícia Federal, de tudo o que está acontecendo e, com certeza, em um momento oportuno, ele vai ter oportunidade de poder, quem sabe, até se manifestar sobre isso”, disse o ministro.
Flávio Bolsonaro diz que pensar em matar alguém não é crime
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) comentou nas redes sociais que pensar em matar alguém alguém não é crime, em referência aos planos revelados pela operação da PF.
“Por mais que seja repugnante pensar em matar alguém, isso não é crime. E para haver uma tentativa é preciso que sua execução seja interrompida por alguma situação alheia à vontade dos agentes. O que não parece ter ocorrido”, escreveu Flávio.
Douglas Portoda CNN , São Paulo