islã
Wesley Rodrigues/Hoje em Dia

A noite do dia 13 de novembro ficará marcada na história como mais um episódio de terror protagonizado pelo homem. Atiradores do grupo conhecido como “Estado Islâmico” (EI) abriram fogo em Paris e deixaram 130 mortos pela capital francesa. Idealizadores do massacre fizeram questão de assinar a autoria da carnificina e ainda espalhar ainda mais o pânico, ao garantir que novos ataques estão por vir.

Mas, afinal, o que é esse grupo? Ele representa a vontade de toda a comunidade islâmica? Por que a França, palco de outra matança protagonizada por terroristas no início do ano, quando o alvo foi o periódico satírico Charlie Hebdo, é escolhida? Para tentar compreender um pouco mais desse complexo embate, o Hoje em Dia conversou com o sheik do Centro Islâmico de Minas Gerais, Mokhtar Elkhal.

Marroquino radicado no Brasil há 26 anos, dos quais 22 em Belo Horizonte, com três filhos, o guia religioso abomina o grupo terrorista, afirma que o EI foi criação dos Estados Unidos e é pessimista: acredita que a Terceira Guerra Mundial está próxima.

O que é o Estado Islâmico, também conhecido como Isis (sigla em inglês para Estado Islâmico no Iraque e na Síria)?
Esse é o Estado da Loucura, a gente tem que acabar com ele. O Isis foi fundado para difamar a imagem do Islamismo. Esse grupo foi fundado para difamar a imagem do Islã e parar com o crescimento do islamismo no mundo porque foi a religião que começou a crescer, mesmo com a imagem negativa que algumas mídias tentam dar: uma religião de terror, de fanatismo. O islamismo não é isso, o islamismo tem 1.437 anos. Muçulmanos não exportaram kibe cru nem dança de ventre, exportaram ideias e ciência.

Então o que é Isis?


É Estado Maluco. A gente chama de Isis ou Daish. Não posso dar o nome do Islã a esse grupo de malucos, de criminosos. A maioria é formada por jovens que recém abraçaram o Islã. Existem três tipos de gente. Pessoas que entraram para defender o Islã e foram usadas por esse grupo. Interesseiros, que têm ódio do Ocidente, mesmo sendo de classe alta. Foram trazidos e são pagos, recebem salário muito alto. Todo mundo recebe. Mas essas pessoas que entraram pelo dinheiro recebem mais do que as que entraram para defender a dignidade e a integridade do Islã. E o terceiro grupo, as cabeças, composto por gente das inteligências ocidentais, como o agente Simon Elliot, conhecido como Abu Bakr al-Baghdadi. E esse grupo recebeu também parte da tropa de Saddam Hussein que foi marginalizada por Paul Bremer (diplomata americano que assumiu o governo iraquiano entre 2003 e 2004), que quando entrou dissolveu as tropas iraquianas.

 

Inteligência do Ocidente seria dos EUA?
Estados Unidos, Israel…

 O objetivo seria brecar o crescimento da religião?

Você construiu uma carreira, comprou carro, tem um sítio… Mas você não tem herdeiros, não tem familiares, você fica preocupado com aquilo que tem porque será tomado por alguém. O muçulmano tem mania de casar, ter filho, dois, três, quatro… Existe a poligamia, permitida em alguns casos pela religião islâmica. Se você analisar que a natalidade do mundo muçulmano está crescendo, e o europeu não casa, casa homem com homem, mulher com mulher e, quando casa, tem somente um filho, qual a consequência daqui a uns 50 anos? Matemática? A herança da Europa será para quem?

 O islamismo cresce?

Hoje em dia vai nas igrejas para ver como estão. Vazias. Verifica a idade das pessoas que estão dentro das igrejas. E nas sinagogas? Vai ver apenas pessoas idosas. Olhe nas mesquitas… Se você vier aqui na sexta-feira (dia aberto ao público), vai ver pessoas com calça jeans, tênis All-star, 18, 20, 25, 30 anos… Jovens! Islamismo virou uma identidade, não uma herança. As pessoas é que estão assumindo hoje em dia. Então esse crescimento natural e rápido está assustando porque essa religião tem alguma coisa diferente. Mesmo com a imagem negativa que eles estão dando, o crescimento do islamismo está ocorrendo.

 Há intensa disputa entre xiitas e sunitas. Explique o início do embate.

Islã significa submissão voluntária total pura à vontade do senhor. Temos um livro chamado Alcorão revelado através de 23 anos, não foi de imediato. Temos um mensageiro que chama Muhammad, um analfabeto que recebeu a revelação e transmitiu aos companheiros que escreveram ao mesmo tempo da revelação. Na véspera da morte do profeta, houve uma divisão sobre quem seria o sucessor. A maioria dos muçulmanos achava que a pessoa mais competente dentre aquelas que viveram com o profeta, depois de uma escolha do povo, deveria ser o líder. São os sunitas. Outra parte, uma minoria pequenininha, começou a falar que tinha de ser descendente do profeta, o que significa uma monarquia, os xiitas. Hoje 90% dos muçulmanos são formados por sunitas.

 Eles se odeiam?

Os governos sim, mas os povos se amam. E mesmo esse embate entre governos começou após a guerra Iraque-Irã, com o mundo ocidental apoiando o Iraque. Deram força a Saddam Hussein e depois tiveram argumento para derrubá-lo. Tudo isso é sujeira política.

 Existe uma forte guerra geopolítica…

Meu interesse é sempre mostrar o posicionamento da religião sobre essas questões porque o islamismo é uma religião universal, veio para unir, não para desunir. Mas os poderosos, os oportunistas não querem que nada seja dividido, querem somente enriquecer e continuar com as riquezas. A Rússia está querendo voltar com o poder no Oriente Médio e se espalhar lá, algo real hoje em dia. Se a China e o Irã se aliam a ele (Putin), onde o mundo vai parar? Em uma Terceira Guerra Mundial.

 Como impedir?

Se as potências ocidentais peitarem a Rússia podem barrar a ofensiva deles. Mas não é isso o que os sinais apontam. Hoje em dia, a gente fala que tem parlamento, tem tudo, mas a voz do povo não chega. Estamos enfrentando guerras aqui, você vai ao supermercado e se assusta com o alho, R$ 24 o quilo. Isso é uma guerra que estamos vivendo.

 Explique o que é Jihad.

Desculpa, a mídia – não vou falar todas – usa o termo para assustar. Onde tem conflitos hoje em dia? Nos países muçulmanos. Paquistão, Afeganistão, Somália… Algum somali foi para a França atacar? E quando a gente se defende falam que somos terroristas, jihadistas… Jihad é legítimo, significa legítima defesa e é dado pelo presidente escolhido pelo povo e aprovado por um conselho. No mundo muçulmano nenhum dos presidentes foram eleitos. Agora a França invade Mali. Invade a terra deles e ainda coloca a própria lei. Graças a Deus os portugueses saíram daqui. Nos nossos países não. Saíram, mas deixaram marionetes.

 Existe algum ódio contra a França?

A França é o país que melhor conhece o muçulmano. Onde tem mais muçulmanos na Europa por causa da colonização francesa. Muitos que defenderam a França na Segunda Guerra Mundial eram argelinos, senegaleses, marroquinos, tunisianos. Acabou a guerra, muitos ficaram lá. Então. eles construíram a França. Como um cidadão que defendeu o país vai ter ódio do país? Não. Mas eles foram marginalizados, isso é um comportamento do governo. Mas, no geral, quando uma pessoa te ajuda, você tem que agradecê-la, no mínimo. Mas não foi o que aconteceu. Agora estão falando em expulsar todos os muçulmanos. Existem aqueles que nasceram lá. Para onde vão mandá-los? Ao mar?

 

Como mudar isso?
Quero que as lideranças religiosas do mundo muçulmano assumam a verdade, mesmo que sejam presos ou até mortos. Enfrentar os injustos dos nossos governos para falar: “Vocês estão errados”. Se vocês derem oportunidades e coisas justas, não surgirão grupos malucos. Por que o professor bom conseguiria convencer o aluno para se preparar e não fazer. É a palavra.

 Hoje em Dia