A leveza dos seus sorrisos a fazia flutuar na consideração sincera de tantos que tiveram o privilégio de com ela conviver. Uns mais aquinhoados pela sorte ou destino – se eles existem – foram seus parentes, outros amigos mais chegados, um foi filho, outro, marido. Mas, mesmo os que não tiveram com ela um laço de união mais estreito, que justificasse o calor do seu carisma com maior intensidade e frequência, certamente foram agraciados com a ternura da sua índole e a força do seu caráter. Para ser contagiado por sua alegria não era preciso tocar-lhe. Bastava gravitar na órbita de sua atenção para sentir a energia da sua maneira de encarar a vida.
Nilda, esta de quem estamos falando, teve interrompido seu fôlego de vida na manhã do domingo passado, o último do penúltimo mês do ano. Ela não resistiu a um provável infarto e morreu. Simbologismo à parte, o fato rasgou uma cratera de dor, de dimensões gigantescas, em parentes e amigos que tiveram na sua ocorrência um dos aspectos por vezes cruéis da vida mas que é, também, um dos seus capítulos, a cuja confecção não se pode fugir. A história da existência não está circunscrita apenas a textos gloriosos, muitos deles oriundos de contextos que escapam ao entendimento dos mortais. O ruim da vida é sempre a morte que mata a vida do existir que não morre no viver do perder a vida. Nilda vai existir e sua morte não vai matar sua existência. Ela esteve viva e viva vai estar mesmo que não exista.
Manhã de domingo e o dia era mais um dos que Nilda singrava no mar da contagem dos seus dias que chegaram a 40 anos, completados no último dia 13 de novembro. A noite para a única filha do Dc. José Ferreira, residente no bairro Garapa, em Timóteo, não foi, pelo que se pode depreender do relato do marido, o Lindemberg, de sobressaltos, de susto ou de dor. Nilda descansou ao lado do companheiro e com ele conseguiu trocar poucas palavras ao despertar-se do sono, despertar esse que se revelou como uma pausa para outro sono de caráter eterno. Ninguém seria capaz de imaginar Nilda embalada neste eterno sono agora. Era jovem em todos os seus aspectos e saudável em não menos dimensão. Não era hipocondríaca nem agourenta. Ela sorria na amplitude de uma felicidade esculpida em rudimentos que lhe foram fornecidos como norte de vida pelo pai, um servo de Deus, e uma mãe, já falecida que, também, lhe propiciou exemplos de amor à vida, não obstante os entreveros desta. Sorrir para esta mulher não era o exercitar de uma hipocrisia. Nilda sabia que sorrir era uma marca e decisão sua, mesmo que estivesse passando por momentos difíceis. “Minha vida é sorrir. Assim amenizam-se os problemas”, escreveu ela em seu perfil em uma rede social no dia 19 de maio deste ano.
O domingo chegou. O esposo Lindemberg acorda e, carinhosamente, tira a toca da cabeça da esposa Nilda. Uma surpresa. Ela não se importou com aquele gesto, diferentemente da forma como sempre reagia quando o marido brincava daquele jeito. Limdemberg, sem explicação, percebe que a esposa está com reações diferentes. Com a ternura que lhe era característica, Nilda reclama com o esposo de uma dor na perna. O dia estava começando e ainda o casal não havia deixado o leito onde descansou pela última vez. Lindemberg olha e vê que Nilda estava com os dentes como que cerrados. Ele descobre, também, que a esposa estava com saliva abundante escorrendo pelo rosto. Lindeberg se desespera. Pede socorro aos cunhados e a uma vizinha. Nilda é conduzida ao UPA, no bairro Olaria. Chegando ali os médicos “fizeram o que puderam”, segundo o marido. Mas não foi o suficiente. Nilda não resistiu e foi a óbito. Ainda, conforme Lindemberg, a princípio o médico não soube diagnosticar o que teria ocorrido, de fato, com a esposa, razão pela qual seu corpo foi conduzido para o IML de Ipatinga, onde ficou por um longo período. Mas, tudo leva a crer, de acordo com o esposo, que ela tenha sofrido um infarto.
Em conversa conosco, Lindemberg revelou que há alguns dias atrás vinha notando o semblante de Nilda um pouco diferente, mas nada aparentemente preocupante. Nilda, que há cerca de seis anos congregava na Igreja Metodista, depois de um longo tempo na Assembleia de Deus, deixou um filho, o Lucas, de 13 anos.
O enigma desta morte contrasta com a clareza daquele rosto irradiante que, tal como um livro sem enigma, patenteava o ser que Nilda era. Por vota das 17h desta segunda-feira, seu silêncio foi sacramentado pela escuridão de uma morada onde foram depositados seus restos mortais. Certamente sua conduta e forma de ser a eternizarão para tantos que poderão dizer enquanto vida tiverem: Um dia existiu uma Nilda, uma que sorria com a alma e que, ao morrer, deixou perplexos aqueles que a queriam sempre viva. O esposo, ao olhar para Nilda, viu seus dentes cerrados. Estaria ela acabando de sorrir?
As penumbras da eternidade que por vezes nos fazem imaginar existentes, não ofuscarão os raios da alegria que fez de Nilda alguém que parecia ter luz mesmo que fosse em sombras
“O silêncio consente, o sorriso confirma e o olhar fala”,